A noite engolia a montanha.
O peso da foice cortava seus braços, mas Hikari não soltava — tinha prometido devolver.
Estava perto… tão perto. Só precisava descer. Só isso.
O vento soprava frio. O silêncio era pesado.
E então, veio o primeiro arrepio.
A aura.
Ela sempre conseguia sentir — o calor da raiva de sua mãe quando Megumi comia neve, o doce transbordar do amor dele quando devorava dangos, o terror que assolava vilas distantes.
Mas, às vezes… nada. Só um vazio gelado. Pessoas que ela não conseguia ler.
Isso a incomodava. Mais do que o frio.
Passou por uma casa. Vazia, pelo que sentiu.
Mas, no meio da montanha, algo mudou.
O ar ficou mais denso.
Medo. Puro medo.
E não era dela.
Quem… está sentindo isso?
O peso apertava seu peito.
Não viu a mulher na janela. Mas ela a viu.
— Hikari! Venha aqui agora! — a voz cortou a noite.
Hikari virou-se, o terror ainda latejando.
A porta se abriu.
— Preciso ir, minha família espera por mim.
— Sua família não está em casa. Fique. — O olhar da mulher tremia.
— O quê? Claro que estão.
— Hikari-chan, por favor… — Ela correu, agarrou seu braço. — É perigoso! Demônios estão por toda parte.
— De-demônios?!
— Só à noite… eles caçam pessoas…
Hikari se soltou.
— Megumi… — girou para continuar o caminho. A mulher tentou puxá-la de novo.
— O Megumi está em perigo! Me deixa sair, porra!
A mão a largou.
Ela desceu. Correndo.
O frio queimava suas pernas. O ar, denso, arranhava sua garganta.
Sua casa. Já à vista.
Um homem saiu… e sumiu na escuridão.
Aquela aura ficou gravada nela.
O terror vinha dali.
Da sua casa.
As pernas cederam. Caiu de joelhos.
O ar cortava sua garganta como lâminas.
Precisava se mover. Não conseguia.
Deitou-se na neve. O corpo implorava por descanso, mas os olhos não desgrudavam da porta.
Ainda havia medo.
Ainda havia alguém vivo.