Melissa.
Véspera de ano novo. Dia 31 de dezembro.
Algumas pessoas aproveitam esse dia para listar tudo o que deixaram de fazer nesse ano e o que querem fazer no ano seguinte. A maioria passa o dia afundado em melancolia lembrando-se de tudo o que aconteceu (ou deixou de acontecer) durante os 364 dias anteriores.
Em geral, eu preciso aguentar a minha mãe encarnando a pomba gira porque meu pai sempre compra metade do estoque de fogos de artifício da cidade para competir com os vizinhos, e acaba quase matando alguém carbonizado. Além disso, minha mãe detesta fogos de artifício. Ou qualquer coisa que envolva fogo. E diversão.
Acordei nessa manhã esperando ouvir meu irmão cantando o tema de abertura de algum desenho animado idiota, ou minha mãe e minha avó discutindo. Esperei mais um pouco, mas só ouvi o fraco barulho dos carros buzinando nas ruas, vários andares abaixo de onde nós estávamos.
Abri os olhos esperando ver Harry, mas tudo que encontrei foi o lado dele na cama vazio.
Sentei-me na cama e olhei a minha volta, procurando algum sinal de Harry. Vi que a porta do banheiro estava entreaberta e a luz acesa, me fazendo supor que ele estava escovando os dentes ou coisa do tipo.
Eu estava com a intenção de me levantar, mas assim que joguei o cobertor para o lado, quase morri congelada e voltei ao meu estado de sushi-esquimó.
Talvez eu esteja exagerando um pouco, já que o aquecedor estava ligado e tudo o mais, mas eu ainda não estou completamente acostumada com temperaturas tão baixas.
Peguei meu celular para checar novas mensagens. Nós tínhamos chegado aqui em Nova York ontem de manhã, dormimos uma boa parte da tarde no hotel e depois fomos a um shopping, eu havia deixado meu celular desligado durante tudo isso.
- Duda... Julia... Katie... - eu fui murmurando ao ler a lista de novas mensagens. - Minha mãe, meu pai, Liam, Louis...
Mal percebi que a porta do banheiro tinha se aberto. Harry subiu novamente na cama e puxou os cobertores em que eu estava enrolada.
- Harry! - eu disse, me encolhendo e tentando pegar o cobertor novamente.
Desisti de recuperá-lo quando Harry ficou por cima de mim, tomando cuidado para não apoiar todo seu peso em mim.
- Bom dia, gnomo. - ele sussurrou, os lábios passando desde a minha orelha até o ponto entre meu pescoço e meu ombro e mordendo de leve.
- Meio cedo para isso, não? - eu ri.
- Depende do ponto de vista.
Dependendo do ponto de vista ou não, eu havia acabado de acordar e mal tinha levantado da cama. Ainda não havia escovado os dentes, com toda certeza estava completamente descabelada e com olheiras enormes. Ou seja, acabada.
Somente uma hora mais tarde (ok, talvez mais do que isso) nós conseguimos sair do hotel. E não, não fui eu quem demorou para ficar pronta. Na verdade, nós dois demoramos... mas isso não vem ao caso.
- Então... - eu disse, ajeitando meu gorro, e girando feito uma retardada no meio do saguão do hotel para vestir o casaco. - a que lugar vamos primeiro?
- Você decide. - ele disse.
- Uau, você está me deixando no comando de novo? - brinquei. Quase sempre, quem decidia o que iriamos fazer no dia era ele. Eu não me importo muito com isso, mas ontem assim que entramos no shopping, eu o arrastei para a primeira loja de sapatos que encontramos. E depois para uma loja de jeans, já que por algum motivo inexplicável, Harry andava usando calças remendadas com fita isolante e um par de botas marrons tão velhas que eu quase conseguia ouvi-las gritando por um descanso.
- Não vai se acostumando. - ele disse, me ajudando a vestir meu casaco. - Já decidiu?
Pensei um pouco. Apesar de já ter vindo para Nova York umas duas ou três vezes, sempre falta tempo para visitar um lugar em especial.
- Já sei de um lugar onde podemos ir.
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- Seiscentésimo andar, por favor. - eu disse.
O porteiro do Empire State Building demorou alguns segundos para levantar os olhos do livro que estava lendo. Não consegui identificar, estava escrito em uma língua diferente e estranha.
- Esse andar não existe. - ele usou um tom cansado, como se fosse obrigado a repetir isso várias vezes por dia.
- Eu sei que existe. - insisti.
O porteiro revirou os olhos.
- Maldita a hora que aquele cara inventou que a entrada para o Olimpo ficava aqui! - ele disse, exasperado. - Olha crianças, não quero destruir seus sonhos, mas não existe mesmo um seiscentésimo andar.
- Nós sabemos disso. - disse Harry.
Nos viramos para ir embora, já que tínhamos acabado de fazer algo que eu queria há uns quatro anos.
- Ei, você não é aquele garoto famoso, daquela banda? - o porteiro perguntou. - One alguma coisa...
- Ah não, é um erro bem comum. Sou apenas muito parecido com ele. - disse Harry, ajeitando a touca que estava usando e os óculos escuros.
- Desculpe pela brincadeira. - eu disse, pouco antes de sairmos do prédio.
Eu e ele começamos a rir descontroladamente no meio da rua.
- Sério, era isso? - ele disse, entre as risadas. - Pedir para subir ao seiscentésimo andar do Empire State?
- Ei, não me julgue, era um sonho de criança!
- Você não leu os livros há três anos?
- Exatamente.
Ele continuou a rir, mas acho que dessa vez era da minha cara mesmo. Fomos andando até o Starbucks que ficava ali na esquina do Empire State. No caminho, encontramos algumas fãs um pouco alteradas.
Não sei porque eu ainda fico surpresa, as fãs da banda sempre parecem um pouco alteradas. Mas não posso culpa-las. Eu reagi umas cinco vezes pior no meet&greet da Demi Lovato.
Digamos apenas que um dos seguranças dela perguntou se eu não tinha algum problema mental.
Fizemos nossos pedidos, e depois de queimar a língua com o chocolate quente e aguentar o Harry rindo de mim mais uma vez, ele me abraçou e ficou segurando minhas mãos para que eu morresse um pouco menos de frio.
Novamente, talvez eu esteja exagerando um pouco. Mas eu tinha uma ótima desculpa para ficar abraçada a Harry, então acho que nesse caso um pouco de exagero não faz mal.
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Meu Deus.
Quanta gente.
Eu vou morrer esmagada.
A última vez que estive no meio de uma multidão assim, foi há dois anos atrás, quando o alarme de incêndio do meu colégio foi misteriosamente ativado e a escola inteira foi evacuada para a segurança dos alunos. São situações diferentes, mas a sensação é a mesma: que você está prestes a cair no chão e ser pisoteada sem dó nem piedade. Eu provavelmente já teria tido um ataque cardíaco se não fosse Harry me segurando o tempo todo.